domingo, 6 de novembro de 2016

O lado negro do chocolate

            A teoria do Sistema Mundo de Immanuel Wallerstein oferece uma análise do funcionamento do modo de produção capitalista e de como a organização espacial do sistema mundial conduz a história ao longo dos anos.

Wallerstein afirma que cada país ocupa uma função na ordem produtiva capitalista, existindo assim países do centro (possuem atividades econômicas mais complexas e com maior potencial tecnológico, que agregam mais valor ao produto); semiperiferia (possuem um certo nível de industrialização, mas ainda dependem do capital e da tecnologia dos Estados do centro); periferia (especializados na produção de bens de baixo valor agregado e requerentes de intensa mão de obra).  A expansão do sistema mundo aumenta as diferenças entre os países do centro e da periferia, além de contribuir para a criação de uma hierarquia de poder político e econômico.

Para ele, a busca dos países centrais por locais onde sua produção seja maximizada é o fator que conduz a história e a dinâmica deste sistema. As condições desiguais de comércio é uma maneira de perpetuar a divisão internacional do trabalho que reproduz a desigualdade.

Essa teoria pode ser aplicada no contexto atual para explicar essa “periferização” do mundo e diversos incidentes que ocorrem no sistema internacional hoje em dia. Um caso que pode ser analisado através da perspectiva desta teoria é o do trabalho escravo infantil nas plantações de cacau na África.

No documentário “ O lado negro do chocolate”, o jornalista dinamarquês, Miki Mistrati, conversou com trabalhadores e traficantes da região de Zégoua Mali e descobriu que os traficantes transportam de 10 a 15 crianças por vez em ônibus que vão para Korhogo, na Costa do Marfim (responsável por 42% da produção mundial de cacau), onde tem um local que as crianças são mantidas e vendidas para fazendeiros locais.

Uma criança de Burkina Faso pode ser comprada por 230 euros, o preço inclui transporte e uso ilimitado da criança, porém, a maioria das crianças nunca é paga. No documentário, o jornalista encontrou dois meninos do Mali, que trabalhavam como escravos numa plantação de cacau da Costa do Marfim. Os garotos contam que os traficantes enganam as crianças para conseguir levá-las para as plantações, e que se eles se recusassem a trabalhar ou trabalhassem devagar, os traficantes os agrediam.

A rota do cacau descrita no documentário demonstra claramente a dependência que os países periféricos têm da exportação de bens primários a preços determinados pelos países do centro e a cadeia de commodities que a envolve: o cacau colhido e secado ao sol é comprado por intermediários (1 euro por kilo) que vão vender aos exportadores nacionais; os grãos são lavados, ensacados e vendidos (2,5 euros por kilo); finalmente, na bolsas de valores, o cacau é vendido às empresas de chocolate, que vão transformar os grãos em pó ou manteiga de cacau, do qual será feito o chocolate pelos fabricantes (1 kilo de cacau dos produtores vira 40 barras de chocolate).

Miki tentou o contato com empresas de chocolate ( Nestle, Cargill, Mars, ADM, KRAFT, Barry Callebaut ) para saber que ações elas estão promovendo para combater o problema, no entanto, a única resposta que obteve foi uma declaração conjunta por porta-voz, da qual destaca um trecho: “A grande maioria das plantações de cacau não são das empresas que produzem chocolate ou fornecem o cacau e, portanto, não temos controle direto sobre o cultivo do cacau e as práticas laborais”. Essa declaração comprova a falta de responsabilidade do setor.

Embora o filme seja de 2011, pouca coisa mudou nesses últimos 5 anos, já que as operações realizadas pela Interpol na região da Costa do Marfim continuam resgatando crianças das plantações de cacau: uma operação feita pouco antes do início das gravações do documentário resgatou 65 crianças; em 2014 foram 76; 48 em 2015. Dados que comprovam a falta de debates significantes no âmbito internacional e a falta de medidas (locais e internacionais) eficientes para acabar com a exploração infantil no setor.

Portanto, esse é apenas um dos casos que refletem a dinâmica do Sistema Mundo moderno, que tem por objetivo  a acumulação infinita de capital, facilitada pelos mecanismos (comoditização, controle do trabalho assalariado, cadeia de commodities, intercâmbio desigual entre centro e periferia, monopolização do mercado) criados para perpetuar a hierarquia do Sistema Internacional.

Link do documentário: https://www.youtube.com/watch?v=ozSRWm7VcVE

Marina Reis de Oliveira

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